23/06/2005

O Tom da musica é o

O meu pai tinha uma loja em Irará, onde se atendia o homem do campo - e assim eu pude-me embrenhar, muito mais que todos os outros, no intestino, no âmago do Nordeste. Para essa gente, aquela loja era uma janela para o mundo: eles puxavam conversa só para nos ouvir falar. E o nordestino não só tem uma língua muito bonita, completamente diferente, como tem muito do que falar, porque é cientista por natureza. Eu aprendi aquela nova língua, com uma regência por ideogramas, onde para falar «vermelho» eles diziam «é como bonina, é como o pico do cardeal», é como não sei o quê, enumerando uma série de coisas bem vermelhas para identificar o vermelho. Fiquei encantado com aquilo, com aquele homem bruto e ao mesmo tempo elegantíssimo, fino e ao mesmo tempo com as mãos calosas, analfabeto e ao mesmo tempo muito culto. Ele despertou em mim uma intelectualidade que eu não sabia que existia.

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Eu podia mostrar duas gavetas que tenho aqui, cheias de fitas-cassete. Essa gaveta é uma espécie de linha de montagem. A partir de certo momento, eu comecei... Foi assim: eu tinha uma bateria de samba, em ritmo meio lento ou mais rápido. E sentava para compor: botava a bateria de samba, pegava a quinta e a sexta cordas do violão e tentava uma pequena frase, um ostinato [motivo de base, que se repete sempre]. Quando ficava gostoso – depois eu percebia –, é porque modificava ligeiramente a batida de samba. Dava alguma coisa diferente; um molho tão gostoso que eu não podia mais abandonar. Tento fazer assim com os cavaquinhos, um contraponto muito rígido, no sentido rítmico. O baixo é francamente tonal; embora estabeleça também uma escravidão: um acorde só. Em cima dele, tento fazer uma coisa exigente ritmicamente. Quando isso começa a satisfazer... é uma coisa da vida: dá prazer. Dá prazer. E quando tenho uma seqüência enorme de coisas dessas – de vez em quando volto a elas, trabalho um pouquinho e tal – fica sendo uma linha de montagem.Um belo dia, quando o negócio já está muito gostoso eu tiro [da gaveta], para tentar fazer uma música com aquilo. É assim.

Quando escolho de que tratará a letra, aí já se trata de outra tarefa completamente diferente: vou polir, repolir, ajustar os contornos, aplainar as angulosidades até que fique razoável. Digo razoável, porque bom nunca ficará.
entrevista ao Jornal "
O Povo", Ceará.

Mais entrevistas e outro material em http://www.tomze.com.br

Sobre "Estudando o Pagode..." : Entre caricato e sarcástico, mas sempre tropicalista, fiel à experimentação, ele propõe no encarte a ''harmonia induzida''. Ocorre quando ''o acompanhamento fica parado na tônica e o cantor com a cumplicidade do ouvinte canta o tempo todo 'corrigindo' a harmonia''. A idéia deste experimentador compulsivo é ''tentar um canto popular com mais de um centro de referência tonal, um jogo de simultaneidades como aquele que a gente já vê em histórias em quadrinhos, filmes e outros brinquedos''. Embora tudo isso pouco tenha a ver com o pagode do fundo de quintal. E, obviamente, ainda menos com a contrafação sambrega.

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Concertos : 25 de Junho nos Jardins do Palácio de Cristal do Porto , dia 27 apresenta-se em Lisboa, na Aula Magna, a 29 abre a segunda edição do Festival Med de Loulé, e a 1 de Julho estará Guarda.

1 comentário:

Anónimo disse...

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