09/06/2005

Pedro Barbosa

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Pedro Barbosa é Deus. Quantas vezes não ouvi esta frase saída da boca do meu amigo Mário Lopes (excelso escriba do DN) quando, agarrados à televisão, respirávamos de alívio depois de mais um jogo resolvido pela arte barroca, pelo misticismo pagão, pela clarividência republicana (aquela que começou em 1910 e acabou com o Dr. Salazar), pela magnificência dessa figura renascentista que dá pelo nome de Pedro Barbosa. A causa de tamanha elegia era quase sempre um passe cientificamente impossível para a entrada de Acosta, Jardel ou Liedson, ou um golo de levantar um prédio inteiro (e, pensando bem, acho que nunca vivi em prédios que festejassem golos). Aqueles golos que começam com um drible na linha de fundo e, quando se espera um cruzamento para a entrada de ninguém, bola na rede e, porra, venha de lá mais um jarro de vinho da casa para beber nervosamente e esperar pelo apito de Isidoro Rodrigues.
Os elogios podem parecer, certamente, gratuitos. Afinal, o culto de Pedro Barbosa é mesmo isso, um culto. Barbosa está para o futebol como Tom Zé está para a música popular brasileira. É um outsider, um fora-da-lei, um foragido, um exilado na sua própria genialidade. Um anti-herói. E, como os predestinados, actua na altura certa com pontaria certeira e um silenciador de bancadas. Chamam a Silva (quem, meu Deus?) o pistoleiro mas é Barbosa quem ostenta o chapéu de cowboy. É Barbosa quem combate os terríveis irmãos Dalton, qual Lucky Luke de espiga na boca.
Por vezes, Barbosa parece não querer nada com o seu ofício. Vagueia pelo campo como quem procura o momento certo para existir. Nessas alturas, é um vagabundo com asilo à vista, um sem-abrigo que não espera pela sopa, que revive memórias antigas de um futebol em que uma pincelada vale por um campeonato inteiro. Barbosa sabe, na perfeição, que o futebol (como o sexo) escorrega vertiginosamente para o orgasmo. É um atleta de meio-fundo que arrisca no momento capital, acelerando sem concorrência para glórias efémeras mas que se vivem com o sabor das coisas perenes.
É efémero, Pedro Barbosa. No seu semblante imperturbável, parece prever um jogo do início ao fim. Saberá, ao minuto 2 que seis minutos antes do intervalo, Rui Jorge fará um passe de profundidade que partirá a defesa contrária. Desenrola devagar um novelo imaginário, qual guião de cinema, e entra em cena só quando é estritamente necessário. Depois, desaparece sem deixar rasto. E já só lhe dizemos obrigado na repetição em câmara lenta.
Texto sacado ao Terceiro Anel! e a pensar no Nuno Vasco que já está em Timor Leste e que há-de ser sempre o maior e mais incondicional admirador do Mestre!