03/11/2005

Quanto é difícil julgar, como disse Camões, se foram flores que deram cor à bela aurora, ou se foi ela que deu cor às belas flores!
Quem analisará alguma vez a psicologia das plantas?
Só para responder à ansiosa e sempre fútil consulta dos enamorados, a alcachofra, que à beira dos caminhos ciosa esconde o florido capítulo numa couraça guerreira de brácteas, é capaz de reflorescer com mais brilho depois de queimada à labareda da fogueira de S. João.
Com imprevista sensibilidade, das flores do verbasco desprende-se a corola logo que colhemos a airosa espiga, ou a castigamos com uma pancada mais rude. A flor triste e despresada da roselha ou o sargaço, ou da nívea rosa brava, depois de colhida deixa cair, agonizante, as pétalas, e quando julgamos segurar entre os dedos, latejando, uma vida, temos nas mãos, lùgubremente, um cadáver.
Mas nem todas as plantas possuem a graciosidade que nos comove, a cor que nos encanta, a fragrância que nos enleva, ou se envolvem num mistério que nos intriga.
As gramíneas, por exemplo, só nos causam desapontamento. São seres recatados, que desprezam os recursos infinitos do baton e do rouge, que desdenham o perfume, e cuja vida sentimental parece reger-se por álgido puritanismo. Certas plantas, da tribu das Hordeas (o trigo, o centeio, a cevada), hirtas e orgulhosas como velhas misses, desprovidas de graça, tornariam a seara esteticamente insuportável se a Natureza, amante dos contrastes, não houvesse ali colocado a álacre papoila, a transbordar sensualidade e de vida, e que dir-se-ia uma gargalhada juvenil, irreverente e saudável de uma alegre camponesa num comício de sufragistas. E atrevo-me a supor que sem a presença das papoilas, ou até dos atrevidos pampilhos, jamais a seara ondearia a vento com a graça lânguida que é o segredo do mar.

in "Jornada a um Mundo de Beleza Eterna", J. Vieira Natividade

1 comentário:

Anónimo disse...

Where did you find it? Interesting read » »