07/04/2006

O tio Artur estava passo. Olhava-me, eu olhava-o, e agora era ainda o intervalo, aí com alguns três a três.
“Deixam-no sozinho”, fez o tio.
“A mim”, admirei-me. “Atão o meu pai só me deixa sair consigo!”
“Gaita”, fez o tio diferentemente. “ Não és tu, é o Peyroteo.”
São vidas, pensei.
Vidas de craque. Pois na segunda parte a máquina carburou ainda melhor, aplicou desconhecidas novas gambetas na malta, fingiu que corria, driblava, não driblava, e sempre bumba, bumba, bumba prà baliza da académica, cujo n.º 1 (neste século recuado não havia números) se punha a rezar a um deus desconhecido, como o protagonista do John Steinbeck. Cinco a cinco! Há lá resultados destes no futebolinha coisa pouca de 1972?
Voltei para casa contente: contente por ter visto o Peyroteo, aquela super-máquina de jogar W bola. E triste: triste por chegar ao quintal do Luís marques, agarrar a mini-borracha, ensaiar uma volta das dele (Peyroteo) e não ser capaz. Ombro aqui, joelho acolá. Sempre o malfadado do muro a barrar-me o entreinamento…
Ó miúdos, era só um. Era só um e chamava-se Peyroteo. Fernando. Ao menos isso: como o craque.
De onde esta anotação no caderninho – “sensacionais, ele e eu”. Já se mentia em 40 e tal.


[de Memórias de um Craque (VIII – De como no Loreto o Peyroteo fez trinta por uma linha e ojogo acabou, pasmai ó miúdos de hoje, empatado cinco a cinco), Assírio & Alvim, 2005 – Fernando Assis Pacheco]

Desejo da Alcofa : que amanhã haja Peyroteo no Alvalade XXI!