O ENSAIO 28
Há 93 anos, Franz Kafka começou a escrever América, um romance que nunca chegaria a acabar. Nele, um jovem rapaz mandado de castigo para o país das grandes oportunidades não hesitou entrar para um Teatro que aceitava todo aquele que ali quisesse trabalhar. A sua motivação nada tinha que ver com uma arte que, na realidade, até ignorava. Ele não hesitou porque era bem-vindo. E assim partiu para Oklahoma, para o desconhecido, para a utopia.
Há 23 anos, estreou no Municipal de Sabadell (Barcelona) o espectáculo El Gran Teatro Natural de Oklahoma, com dramaturgia e encenação de José Sanchis Sinisterra. O Teatro Fronterizo estava ainda no romper da sua actividade e o autor valenciano explorava o sentido de uma teatralidade ainda amarrada a estruturas dramatúrgicas há muito instaladas. A fronteira entre textualidade e teatralidade revelava-se o eixo de todas as suas propostas e destas incursões puderam nascer espectáculos que se constituíram mais tarde referência obrigatória na renovada dramaturgia ocidental. Ñaque, ou sobre piolhos e actores e Ay, Carmela!, são disso o melhor exemplo, apenas para citar os mais conhecidos.
Há cerca de 11 anos, assisti na Sala Novas Tendências Cénicas, na Comuna, à estreia de Ñaque, pelo Teatro Meridional, naquele que deverá ter sido um dos mais luminosos dias da minha vida de espectador.
Há mais ou menos 5 horas, terminei no novo Espaço da Mitra o ensaio 28 de O Grande Teatro de Oklahoma envolto na mais feliz de todas as condições: dançar à beira do abismo. No caso, estando a proposta original do espectáculo de J. Sanchis Sinisterra contrariada, para que se mantivesse fiel ao público de hoje, vai-se erguendo de dia para dia um espectáculo novo, com tudo o que a empresa arrasta consigo de angustiante ou excepcional. Esta versão cénica comprimiu ainda mais a dramaturgia inicial, não apenas através de sínteses no jogo da verbalidade, mas por intermédio de uma redução drástica da área de representação, agora um estrado de 4 x 4. Assim, abriu--se mais campo aos gestos, às acções e aos movimentos e aceleraram-se dinâmicas nas relações entre as personagens e entre estas e o público.
Também a ficcionalização dos próprios espectadores no discurso narrativo da peça (uma das marcas da proposta de 1982), caiu, dando assim possibilidade ao derrube da quarta parede, que estava dissimulada nesta opção. Actores e espectadores colocam--se frontalmente, olhos nos olhos, expondo o encontro à necessidade de se constituírem, de forma ainda mais derradeira, participantes activos de um encontro.
Não sei o que será do futuro, quando este texto estiver impresso e o espectáculo em cena. Danço à beira do abismo porque apenas tenho garantida uma viagem para o desconhecido. Porque o ensaio 28 trouxe pequenas dúvidas e raras certezas, olhos a brilhar e exasperações, sustos em silêncio ou admirações sobressaltadas.
Se a beira do abismo não fosse mesmo para dançar, de olhos fechados, de sorriso estampado, o que estaria a fazer aqui? Pela viagem impossível de K. ao Grande Teatro de Oklahoma, pelas explorações de J. Sanchis Sinisterra no seu Teatro Fronterizo e pelo magnífico Ñaque, ou sobre piolhos e actores do Teatro Meridional que me ensinou que os espectadores são a lua e os actores as crateras que, vistas daqui de baixo, lhe fazem um rosto humano.
07/11/2005
"O Grande Teatro de Oklahoma" é levado à cena pelo Teatro Meridional, no Espaço da Mitra - Espaço Meridional, de 17 de Outubro a 11 de dezembro. A não perder e ir ver pelo menos 2x!
3 comentários:
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